O conselho tutelar e os desafios para a garantia da criança e do adolescente
20 de setembro de 2023
Este artigo buscou compreender a atuação do CT na garantia dos direitos infantojuvenis perante as alterações propostas pela Lei nº 12.010/2009, bem como os desafios da articulação deste órgão com a rede de proteção social. Foi feita a partir de estudos bibliográficos e também de entrevista semiestruturada com 5 conselheiros tutelares e 5 assistentes sociais da rede socioassistencial de um município de médio porte do estado de São Paulo.
O CT é responsável pela implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por apurar a realidade social e por acionar a rede socioassistencial nos contextos de risco e vulnerabilidade social em que crianças e adolescentes estejam expostos. Este órgão foi preconizado pelo ECA para que houvesse a proteção dos infantes de forma democrática, desjudicializada e com atendimento ágil.
“A compreensão mais específica e abrangente desta legislação permite questionar se esse órgão consegue erradicar práticas autoritárias, repressivas e criminalizadoras da pobreza; efetivar princípios que o define na lei como autônomo e não jurisdicional, e se seus membros compreendem o significado de suas atribuições e o impacto social que o desenvolvimento de suas funções implicará na garantia dos direitos da Criança e do adolescente” (p. 422).
As autoras fazem um breve resgate histórico acerca da conquista dos direitos infantojuvenis por meio de uma processo de lutas, incluídas num processo de aprofundamento da democracia a partir da década de 1980 em contraposição ao regime ditatorial vivido nos anos anteriores. Assim, com o advento do ECA em 1990, o CT foi um dos órgãos criados visando maior proteção da infância e juventude brasileira através de uma instituição colegiada. Ao longo dos anos foram ocorrendo mudanças legislativas que visaram o aperfeiçoamento do ECA, assim como da própria ação tutelar. No entanto, neste estudo é feito para confrontar o que é legal e o que real.
No estado de São Paulo foi criado o Parecer CIJ nº 04/2010, que visava socializar a aprovação das modificações trazidas pela Lei nº 12.010/2009, a respeito de pedidos de providências (ou verificatórios) – alterações legislativas - diretrizes para adequação procedimental para observância do devido processo legal, especialmente o contraditório e a ampla defesa na Infância e Juventude.
Apesar disso, os profissionais entrevistados demonstraram ter pouco conhecimento sobre essas modificações, e relataram que a divulgação do documento sobre as novas novas diretrizes procedimentais se deu por meio apenas de uma reunião realizada pelo Poder Judiciário desta Comarca.
“Não se pode deixar de mencionar que no conteúdo dos pedidos de providência está velada a existência das mais variadas formas de expressões da questão social. No entanto, o ajuizamento deste tipo de ação estabelece processo de judicialização da vida privada pela ausência de serviços e programas ofertados pela rede socioassistencial, o que inclusive deveria ser objeto de ajuizamento de ação civil pública proposta pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, após representação do Conselho Tutelar. Aliás, o processo de judicialização das expressões da questão social está presente no contexto brasileiro, intensificado após a Constituição Federal (BRASIL, 1988), exigindo atuação incisiva do Poder Judiciário” (p. 425). O crescimento de ações judiciais para acessar políticas públicas que são de direito dos cidadãos demonstra o descompromisso do Estado em prover os direitos sociais e coletivos, não sendo concretizados de forma espontânea como deveriam.
Os profissionais então afirmaram que não sentiram grandes mudanças em sua atuação após as modificações trazidas pela Lei nº 12.010/2009. “Cabe ressaltar que o desconhecimento da legislação por parte dos conselheiros tutelares desencadeia o risco de atuar em funções que não lhes competem e acatar arbitrariedades principalmente por profissionais do sistema de justiça, o que impede sua concretização como mecanismo de exigibilidade de direitos, como órgão autônomo e não jurisdicional previsto pelo artigo 131, do Estatuto da Criança e do Adolescente” (p. 426). Assim, a prevalência da submissão das ações do CT aos arbítrios da justiça revela um despreparo em fortalecer que as decisões deste órgão sejam tomadas pelo colegiado.
Além disso, tais práticas reforçam uma concepção neoliberal de controle e culpabilização das famílias pelas expressões da questão social vivenciadas por elas. A judicialização dos casos se torna também uma forma de se eximir das responsabilidades no caso de que algo desse errado no atendimento das demandas.
Para o atendimento efetivo do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA), os profissionais inseridos nos órgãos que o compõem devem fazer sempre uma análise crítica da realidade, compreendendo que ela é dinâmica e fluida, e não engessada e linear. Assim evitarão atuar apenas na imediaticidade, compreendendo as questões mais profundas instauradas em cada caso, e proporcionando o devido acompanhamento.
Em síntese, o presente estudo buscou compreender os limites e possibilidades de atuação do CT em articulação com a rede de proteção social. Questionando então quais estratégias são adotadas pelo CT para essa articulação, constatou-se que a utilização de ofício é um dos recursos adotados praticamente por todos os conselheiros tutelares na articulação da rede. Também se utilizam de reuniões mensais com a rede socioassistencial, discutindo as situações de maior gravidade e traçando o plano de ação e acompanhamento para os casos, destacando-se como uma estratégia importante que foi trazida pelo ECA, composta pela municipalização, descentralização político-administrativa, controle social, captação de recursos e a intersetorialidade.
Além disso, o CT tem como atribuição solicitar, sempre que necessário, todos os serviços que possam auxiliar na restituição dos direitos violados, podendo ser requisitados os serviços de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança.3
Outra estratégia trazida foi a realização de reunião com o gestor municipal, visando informar-lhe sobre as deficiências encontradas nos serviços da rede, possibilitando que ele tenha conhecimento destas carências e possa elaborar propostas orçamentárias com programas e projetos que visem a superação destes empecilhos. O CT também deve acompanhar os encaminhamentos feitos nos casos, a fim de saber se o acesso às políticas foi concluído, caso contrário, deve levar a situação à autoridade judiciária competente.
É inadmissível que o CT seja omisso em casos de violação de direitos das crianças e adolescentes, incluindo aquelas que ocorram devido à inoperância das políticas setoriais.
Um grande desafio encontrado pelas autoras é o acompanhamento das demandas atreladas à exigibilidade de direitos, ou seja, contatar o cumprimento das requisições estabelecidas. Elas apontam que isso é feio te forma individual, em cada caso, sendo que esta exigibilidade deveria ser coletiva, “[...] pois cabe a esse órgão coletivizar as demandas individuais, transformando-as em demandas coletivas; articular ações junto à administração pública e também ao Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, provocando planejamento de ações que atendam à coletividade” (p. 432).
Outro desafio relatado foi o de compreender alguma violação cometida pela família da criança ou adolescente e compreender tais situações como condições inerentes à dinâmica super exploratória do capitalismo, evidenciando a importância de uma ação acolhedora, sem estigmas, que resguarda a privacidade dos usuários e que vai além da imediaticidade da aparência do problema, buscando uma compreensão aprofundada sobre os determinantes estruturais e conjunturais que se apresentam de forma singular naquele caso específico.
“Afinal, as expressões da questão social instauram-se no cotidiano das famílias através da violência; da falta de trabalho e de renda; da escassez de alimentação; moradia precária; da falta de acesso à saúde e educação, entre outros fatores que, na maioria das vezes, desencadeiam situações de ameaças ou violações de direitos mas as raízes das mesmas estão relacionadas à gritante desigualdade social que assola o Brasil” (p. 433-434).
Fica explícito que o próprio Estado negligencia os direitos infantojuvenis ao investir cada vez menos nas políticas públicas voltadas a este público e suas famílias.
As capacitações continuadas, inclusive previstas no ECA, são imprescindíveis para o melhoramento da ação profissional daqueles que operam na linha de frente do enfrentamento às expressões da questão social.
“Pelo exposto, conclui-se que os direitos sociais serão realmente concretizados a partir do comprometimento de uma diretriz política de governo e também pelo fortalecimento dos canais legitimados para a exigibilidade destes direitos” (p. 440-441).
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
MEZZINA, Carla Andreza Kelade; MARTINS, Eliana Bolorino Canteiro. O Conselho Tutelar e os desafios para a garantia dos direitos da criança e do adolescente. Serviço Social em Revista, v. 21, n. 2, p. 419-442, 2019.
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